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Foto: castanheiro-do-Pará, na zona desflorestada de Santa Bárbara

É a terceira polémica em dois meses. Cientistas apontam fragilidades ao documento base das negociações climáticas produzido em 2007

Não há duas sem três quando os olhos começam a escrutinar um documento de mais de 900 páginas, de parto difícil, produzido em 2007 pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, das Nações Unidas. Esta semana a imprensa britânica apontou uma nova falha ao documento, agravada por o que acreditam ser um conflito de interesses: a afirmação de que a floresta tropical da Amazónia corre o risco de se transformar numa "savana" à mais pequena oscilação na precipitação teria sido produzida por dois activistas - um consultor do grupo ambiental WWF (Fundo Mundial para a Natureza) e outro jornalista freelancer pró-ambiente. Há duas semanas, uma denúncia semelhante sobre a sina dos glaciares do Himalaias, que afinal nada aponta que desapareçam até 2035 - como afirmava o relatório de há três anos - ressuscitou as fragilidades do órgão da ONU que já em vésperas da Conferência de Copenhaga tinha estado em xeque quando uma fuga de emails na internet mostrou a cumplicidade de alguns cientistas de topo na censura de informação científica enviada ao IPCC. Manobra de diversão ou imprecisões? Facto é que o sucessor do protocolo de Quioto mantém-se adiado até nova ronda de negociações, prevista para o final do ano no México.

Phil Dickie, do WWF, explicou ao i que, no caso já rotulado de Amazongate (depois do Climategate e Glacier Gate) "houve apenas uma falha ao nível bibliográfico", por não terem sido citados dois artigos da "Nature" onde, em 2000, os dois autores foram buscar informação para elaborar um relatório mundial sobre o impacto dos incêndios florestais. Neste, afirma-se que 30% a 40% da floresta é particularmente vulnerável a alterações na precipitação, que podem ser provocadas pela acção do homem. Quanto à utilização do relatório no documento do IPCC diz "estar previsto" nas regras do organismo. Steven Wofsy, investigador da Universidade de Harvard, vai contudo mais longe: "Todas estas notícias sobre os erros do IPCC parecem mais uma cortina de fumo para descredibilizar o painel, como se não precisámos de estar preocupados com as alterações climáticas. É absurdo: o descrédito do IPCC não interfere com o que está a acontecer no ambiente", diz ao i.

Steven Wofsy foi um dos 620 investigadores que participaram na redacção do relatório do IPCC, que serve de base às negociações climáticas mundiais, que têm resultado mais recente um acordo não vinculativo que abre um fundo milionário para apoiar a adaptação e mitigar os efeitos das alterações climáticas dos países em desenvolvimento, e promete limitar o aquecimento global à barreira dos 2ºC. "Trabalhei no documento e nunca ouvi falar do relatório do WWF. Os vários modelos prevêem a perda de floresta e da matéria orgânica nos solos, embora alguns modelos projectem grandes perdas. Há razões para estarmos preocupados, mas é impossível prever o que vai acontecer." Sobre a Amazónia, diz, sabe-se que é uma floresta "resistente, mas se as secas forem de tal modo que propiciem incêndios, os ecossistemas serão degradados."

O WWF garante que está há uma semana em conversações com o IPPC e que analisou a sua participação no relatório para detectar eventuais erros..

Apesar dos desmentidos, depois de também ter sido a imprensa a avançar que havia um erro nas previsões do IPCC sobre o desaparecimento dos glaciares dos Himalaias, a fragilidade do órgão da ONU liderado por Rajendra Pachauri transformou-se num tema quente. Na semana passada, Pachauri disse à BBC que não tenciona demitir-se. "Fui reeleito por aclamação, imagino, porque toda a gente está satisfeita com o meu desempenho", disse. Até ontem não havia comentários à lacuna no bloco do relatório dedicado à Amazónia, mas no caso dos glaciares dos Himalaias foi já publicada uma rectificação: "os standards de clareza e certeza exigidos pelo painel não foram aplicados convenientemente", justificou o IPCC. Contudo, ontem o "The Sunday Times" denunciava que diferentes especialistas alertaram o IPCC o erro. Rajendra Pachauri é acusado de ter favorecido a opinião do cientista indiano Syed Hasnain, investigador no Instituto de Energia e Recursos em Deli, o TERI, que é dirigido pelo responsável do IPCC.

Entre as críticas, surge a tese de manobra de diversão. Para Pedro Martins Barata, da Comissão para as Alterações Climáticas, a polémica é um ataque com motivações políticas, sediado sobretudo nos EUA: "Nos Estados Unidos o IPCC é visto como um órgão como uma agenda própria. Os erros são razão para preocupação, mas neste momento existe uma campanha para demonizar o IPCC e demonizar Pachauri. Não é inocente."

O quinto relatório do IPCC, que reunirá novos resultados científicos, só é esperado em 2013 e 2014. Mantém-se até lá o actual manual de instruções.

"Ataque faz parte da agenda política"

O IPCC é exactamente o que o nome indica: um painel intergovernamental constituído por cientistas nomeados por Governos para coligir periodicamente o estado da ciência sobre causas, dimensões, impactos e medidas de resposta às alterações climáticas, e aconselhar os governos envolvidos na negociação do regime climático. O IPCC não investiga: tenta retratar o estado do conhecimento sobre o tema.
Não é uma organização científica pura, mas também não é uma organização de apaniguados prosélitos das alterações climáticas, como os críticos tentam fazer passar. É uma instituição complexa, formada por um número imenso de investigadores.
É esse número, aliado aos processos de revisão de pares, que devem garantir a fiabilidade das conclusões do IPCC. Os recentes casos devem fazê-lo rever os seus procedimentos internos e repensar a sua actuação externa, para garantir ainda mais a imparcialidade e a objectividade das suas recomendações. Não sejamos ingénuos, contudo: os ataques a que o IPCC vem sendo sujeito, nomeadamente a um relatório com dois anos de publicação, e o timing dos mesmos, em cima da Conferência de Copenhaga e do processo de eventual adopção de uma lei sobre alterações climáticas no Congresso dos Estados Unidos, não são mera coincidência. Atacar o IPCC, querendo demonstrar a sua irrelevância, faz parte de uma agenda política forte. O IPCC é, no entanto, necessário, agora como nunca, porque sem uma base de entendimento científico comum, será difícil concretizar qualquer esforço comum de combate às alterações climáticas.

(Consultor Sénior, Comissão para as Alterações Climáticas)


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