No dia 29 de junho de 2014, um povo indígena isolado estabeleceu o primeiro contato com indígenas da etnia ashaninka e servidores da Funai, na Aldeia Simpatia da Terra Indígena Kampa e Isolados do Alto Rio Envira, no Estado do Acre, na região de fronteira do Brasil com o Peru.
Faz um mês nesta terça-feira (29)
que um povo indígena isolado estabeleceu o primeiro contato com
indígenas da etnia ashaninka e servidores da Fundação Nacional do Índio
(Funai), na Aldeia Simpatia da Terra Indígena Kampa e Isolados do Alto
Rio Envira, no Estado do Acre, na região de fronteira do Brasil com o
Peru.
Os grupos de índios isolados da região, que entre si se envolvem em
conflitos armados, buscam proteção no lado brasileiro porque estão sendo
massacrados por narcotraficantes e madeireiros peruanos.
Terra Magazine, em maio de 2008, mostrou ao mundo (veja)
as primeiras imagens de um dos grupos de índios isolados que vivem na
região, fotografado durante sobrevoo coordenado pelo sertanista José
Carlos dos Reis Meirelles Júnior, que chefiava a Frente de Proteção
Etnoambiental (FPE) da Funai. Dessa vez, o Blog da Amazônia obteve com exclusividade o vídeo inédito do primeiro contato, fotos e o relatório de campo da equipe da Funai.
Há mais de dois anos a FPE foi invadida por peruanos, os servidores
da Funai bateram em retirada e desde então foi abandonada pelo governo
brasileiro. O pessoal da FPE acompanhava a aproximação dos índios
isolados desde o dia 13 de junho. O sertanista José Carlos Meirelles,
que atualmente trabalha na Assessoria Indígena do Governo do Acre, tem
participado dos contatos.
O primeiro contato com os índios isolados, sem auxílio de intérprete,
foi estabelecido pelo índio Fernando Kampa de forma pacífica. Os
ashaninka da Aldeia Simpatia se aproximaram e os isolados gesticulavam
pedindo a calça de um servidor da Funai, que se aproximou juntamente com
os ashaninka apenas de cueca.
- Ao gesticularem pedindo comida, o indígena Fernando Kampa pediu que
fossem apanhados dois cachos de banana e os deu aos índios, realizando
assim o contato. No momento de entrega das bananas, também apareceu na
margem contrária outro índio isolado que havia sido avistado na BAPE
Xinane e também uma mulher com um saiote, possivelmente feito de envira,
e com uma criança de aproximadamente cinco anos. A mulher entregou um
jabuti ao indígena Fernando Kampa como forma de agradecimento ou troca
pelas bananas – diz o relatório de campo da equipe da Funai.
Após o primeiro contato, de acordo o relatório, o indígena Fernando
Kampa pediu que os ashaninka pegassem suas roupas para dar aos isolados e
os chamou para o acompanhar até a aldeia Simpatia. “Mais uma vez não
foi possível controlar os avanços dos ashaninka”. Segundo o relatório,
as roupas estavam sujas, possivelmente com escarros, doenças sexualmente
transmissíveis, que podem ter contaminado os isolados.
O fato é que o grupo de índios isolados contraiu gripe e se deslocou
junto com a equipe da Funai para a base da FPE Xinane. O grupo foi
convencido a permanecer na aldeia até que fosse encerrado o atendimento
médico pela equipe mobilizada pelo geógrafo Carlos Travassos, da
Coordenação-geral de Índios Isolados da Funai em Brasília.
Após a conclusão do tratamento, os indígenas retornaram para suas
malocas, onde estão os demais integrantes de seu povo. De acordo com
informações dos intérpretes que integram a equipe da Funai, os índios
pertencem a um subgrupo do tronco linguístico pano.
A equipe da Funai encontrou uma pequena bolsa na qual os índios
isolados carregavam cachimbo, camisas, caixa de fósforo peruano,
embalagens de sabão peruano, uma carteira do Corinthians enrolada com
pedaços de fios coloridos e com um pote contendo um líquido,
provavelmente um anticoagulante que é aplicado na ponta das flechas.
Havia também cartucho calibre 32, pólvora preta (marca Jacaré), uma
espoleta, pacote vazio de sal (marca Caiçara), caucho (sernambi), três
lâmpadas incandescentes, parafusos e porcas, que os isolados usam para
carregar cartuchos da espingarda. O material foi todo devolvidos aos
isolados.
Os índios isolados, que prometeram regressar com familiares no prazo
de luas -mais ou menos no começo de setembro-, neste domingo (27)
decidiram antecipar. Um grupo de oito isolados se estabeleceu na Aldeia
Simpatia, incluindo uma criança.
O índio Zé Correia, da etnia jamináwa, chamado pela Funai como
intérprete, contou que os índios isolados preferiram não se identificar
porque temem ser alvos de novas correrias (matança organizada de índios)
por parte de outros grupos indígenas isolados.
- Mas a situação mais grave envolve os narcotraficantes e madeireiros
peruanos. A maioria desse grupo contatado é de jovens. A maioria dos
velhos foi massacrada pelos brancos peruanos, que atiram e tocam fogo
nas casas dos isolados. Eles disseram que muitos velhos morreram e
chegaram enterrar até três pessoas numa cova só. Disseram que morreu
tanta gente que não deram conta de enterrar todos e os corpos foram
comidos pelos urubus. Nosso povo jamináwa compreende a língua dos
isolados e nós vamos acompanhar. O governo brasileiro precisa fazer algo
para defender esses povos. Eles disseram que existem outros cinco povos
isolados na região e que são grupos bastante numerosos. Apesar das
diferenças e dos conflitos que existem entre esses grupos, todos são
perseguidos pelos brancos peruanos. Qualquer dia todos esses povos podem
procurar o Brasil em busca de proteção. A Frente de Proteção
Etnoambiental da Funai precisa de total apoio. Vai ser impossível se
fazer algo apenas com as mãos e as unhas. Não podemos ser cúmplices de
genocídios – apelou Correia.
A equipe da da Frente de Proteção Etnoambiental Envira Envira, entre
os dias 17 e 30 de junho, produziu um relatório preliminar de campo
denominado “Desenvolvimento das atividades Aldeia Simpatia”. Veja o que
foi relatado sobre o que aconteceu na aldeia nos dias 29 e 30 de junho:
29/06/2014 – domingo
Durante todo o dia ocorreu a tradicional caiçumada dos Ashaninka e
no final da tarde, por volta das 16:00, o téc. em enfermagem, Francimar
Kaxinawa, retornou às pressas de seu banho no rio e informou a equipe
da FUNAI (Marcelo Torres) que os isolados estavam gritando no barranco à
margem oposta da praia da aldeia Simpatia.
Outras crianças Ashaninka também ouviram e chamaram rapidamente
os adultos que estavam na caiçumada. Neste momento, os indígenas
Ashaninka seguiram correndo pela praia até chegarem próximos aos
isolados, liderados pelo indígena Fernando Kampa. Todos os Ashaninka
aparentavam estar bêbados e bastante alterados.
Um dos indígenas da aldeia Simpatia, Gilberto Kampa, havia subido
o rio pouco tempo antes para arrancar macaxeira e após ver os isolados
ficou ilhado no roçado. Sua esposa veio até a aldeia chorando e pediu
para que fossemos busca-lo. Além de Gilberto, estavam com ele 2 de seus
filhos com idade entre 3 e 5 anos.
Os isolados gritavam e gesticulavam, onde foi possível ouvir
nitidamente a palavra “camisa” e batendo na barriga como quisessem dizer
que estavam com fome. No momento da aparição, estava presente apenas o
servidor Marcelo Torres da FUNAI e sendo que Meirelles, Artur e
Guilherme estavam mais abaixo no rio Envira pescando.
Não foi possível conter os Ashaninka para aproximação com o grupo
isolado, que a princípio se apresentou com 4 índios, os mesmos
avistados na BAPE Xinane. Seguiam portando 1 espingarda e os demais com
arcos e flechas.
Os Kampas se aproximavam mais e os isolados gesticulavam pedindo a
calça do servidor Marcelo Torres, que se aproximou juntamente com os
Kampa sem a calça, apenas de cueca. Ao gesticularem pedindo comida, o
indígena Fernando Kampa pediu que fossem apanhados dois cachos de banana
e os deu aos índios, realizando assim o contato.
No momento de entrega das bananas, também apareceu na margem
contrária outro índio isolado que havia sido avistado na BAPE Xinane e
também 1 mulher com um saiote possivelmente feito de envira e com 1
criança de aproximadamente 5 anos. A mulher entregou um jabuti que foi
entregue ao indígena Fernando Kampa como forma de agradecimento ou troca
pelas bananas.
Após este contato, o indígena Fernando Kampa pediu que os
Ashaninka pegassem suas roupas para dar aos isolados e os chamou para o
acompanhar até a aldeia Simpatia, onde mais uma vez não foi possível
controlar os avanços dos Ashaninka. As roupas dadas estavam sujas,
possivelmente com escarros, DST’s, etc., que podem ter contaminado os
isolados.
Na chegando a praia da aldeia Simpatia, também havia acabado de
chegar os servidores Artur e Guilherme, juntamente com Meirelles. A
equipe tentou conter os isolados e os Kampa que chegaram a ligar o motor
do barco da FUNAI para buscar o indígena Gilberto Kampa no roçado, mas
foi praticamente impossível até que Fernando Kampa foi contido após
ríspida discussão com a equipe da FUNAI.
Chegaram a aldeia apenas 3 dos índios isolados e os demais
permaneciam no barranco à margem contrária. O indígena Fernando Kampa
pediu para sua esposa trouxesse caiçuma para os isolados e ao chegar na
praia, o servidor Marcelo Torres orientou ao médico da equipe de saúde,
Neuber, que chutasse a cuia impedindo que a bebida chegasse até os
isolados.
Após este momento, os índios começaram a subir para a aldeia e
saquear as casas dos Ashaninka que permaneciam passivos, bêbados, sem
qualquer espécie de reação. Foi preciso que a equipe da FUNAI intervisse
e impedisse que todas as casas fossem saqueadas. Meirelles precisou ser
mais ríspido para que um dos isolados deixasse parte do que iria
saquear no chão. Quando eram mostradas armas, os isolados se mostravam
extremamente nervosos e agitados, gritando “Shara”.
Depois deste momento de saque, a equipe da FUNAI conseguiu conter
um pouco os isolados e os acalmar, sendo possível ver os isolados
arremedando animais da mata e também cantando. O servidor Guilherme
tentou realizar o contato urgente com Brasília e Rio Branco e não obteve
resposta.
A equipe seguiu conversando e tentando manter contato com os
isolados para acalmá-los, mas em determinado momento, o grupo isolado
ouviu um arremedo de nambu azul vindo da mata próxima ao Ig. Simpatia e
se agitaram, gesticulando como se tivessem sido flechados.
Com o cair da noite tornou-se ainda mais difícil conter o grupo e
novos saques foram realizados nas casas dos Ashaninka. Pouco tempo
depois, chega a aldeia Simpatia pela mata o indígena Gilberto Kampa com
seus filhos, assustado e informando que haviam outros índios escondidos
na região do roçado.
Na tentativa dos servidores de conter os saques, os mesmos eram
ameaçados com flechas. A equipe tentou fazer uma fogueira e sentar com
os isolados, mas pouco depois o grupo de isolados desceu e saiu correndo
pela praia no sentido do barranco onde estavam os demais índios.
Após o contato e a saída dos índios, as equipes da FUNAI e da
Saúde realizaram escala de vigília durante a noite em caso de nova
investida dos isolados. Durante o período da noite e madrugada, apesar
da vigília, os isolados cortaram todas as cordas das ubás e afundaram
uma das voadeiras da FUNAI com motor.
30/06/2014 – segunda-feira
Por volta das 7:00, os Ashaninka que tinham descido na praia do
simpatia nos informaram que os índios isolados estavam descendo
novamente rumo a aldeia, descemos na praia e montamos um esquema para
impedir que eles subissem novamente para realizar saques. Uma equipe
ficou na frente e outra com espingardas atrás. Orientamos que ninguém
ficasse sozinho frente aos isolados, mantendo sempre um numero maior que
eles. Eles utilizaram a ubá do Gilberto Kampa (tinha deixado no rocado)
para atravessarem o rio.
Atravessaram o rio Envira e deixaram a ubá na praia localizada
acima da aldeia. Estavam em 04 pessoas. Eles se deslocaram pelo rio até a
praia.
Ao chegarem à praia da aldeia Simpatia já foram logo pedindo
coisas, tipo camisas e panelas. Não foi fornecido. A equipe da FUNAI
manteve um dialogo através de gestos calmo e tranquilo. Eles subiram o
barranco, mas foram contidos antes de entrarem na aldeia. Qualquer
investida era contida mostrando as armas, o que os deixavam bastantes
nervosos. Meirelles tinha esse papel de impedir a entrada deles, quando
tentavam entrar na aldeia ele gritava, assoprava e mostrava a arma.
Foi tentado realizar trocas com os isolados, do tipo mostrávamos
um terçado e pedíamos uma flecha, mostrávamos artesanatos (eles
demonstravam grande interesse) e pedíamos algum ornamento deles, mas
nenhuma troca obteve sucesso.
Ao perceberem que não obteriam sucesso nos saques, pediram algo
para comer, foi dada banana, macaxeira cozida, coco e carne assada,
sendo que só comeram as bananas. Desconfiavam de tudo que dávamos para
eles comerem. Eles abriram os cocos, tomaram um pouco da água e deram o
restante para a equipe que ficou a frente na contensão.
Num certo momento o servidor Artur fez um cigarro de tabaco e
acendeu em frente aos isolados, eles ficaram bem exaltados e pediram o
tabaco e o isqueiro. O tabaco foi fornecido, eles pegaram, cheiraram e
pediram para que Artur desse o cigarro feito. Artur forneceu o cigarro,
eles deram algumas puxadas e guardaram para mais tarde. Artur tentou
trocar o isqueiro por uma flecha, mas os isolados não quiseram.
Fernando Kampa apareceu num certo momento tirando algumas fotos
bem de perto, ao bobiar por um minuto, estava mostrando o funcionamento
do isqueiro, um isolado tirou a câmera do Fernando que estava no bolso e
foi embora.
Ao perceberem que não obteriam sucesso nos produtos
industrializados resolveram ir embora. O tempo de permanência foi de
1:30 h no barranco da aldeia Simpatia. Ao sair um indígena isolado
espirrou, ao entrar no rio o mesmo deu uma tossida.
IVANA BENTES É necessário amansar os brancos
Documento de cultura, documento de barbárie é a primeira coisa que
vem a cabeça vendo os relatos dos indigenistas e agentes que
participaram dos contatos com os índios isolados do Acre.
A própria forma de percebê-los ganha materialidade nos confrontos com
o Estado: avistamentos, vestígios, confrontos armados, mortes dos
“isolados”, mortes dos moradores brancos, conflitos com
narcotraficantes, etc.
O que acontece depois do contato? Muitos vão morrer pela simples
proximidade e contágio com as gripes e doenças corriqueiras dos brancos.
Como se preparar para o encontro, que estratégias, qual o melhor
momento? É sintomático que os contatos se intensifiquem quando as terras
indígenas são comprimidas, pelo desmatamento, pressão de madeireiros,
mineradoras, prospecção de petróleo, tráfico de drogas, missionários.
Os índios isolados “fazem contato” numa situação critica, como disse o
antropólogo Terri Aquino. Indios ”isolados” de quem? Não somos
isolados, bravos, invisíveis, cercados, somos resistentes. Vocês não
acham a gente, índio já está ali desde sempre, é como o jabuti na
floresta, ninguém acha o jabuti, só encontra quando ele está passando
disse o indígena jaminawá Zé Correia na sessão emocionante de
apresentação das imagens inéditas do contato com os “índios isolados”
mostradas pela Funai durante 66ª Reunião Anual da SBPC, no Acre.
Correia acompanhou os primeiros contatos da Funai na Aldeia Simpatia
da Terra Indígena Kampa e Isolados do Alto Rio Envira, na região do Acre
de fronteira do Brasil com o Peru. O depoimento continua dizendo: “Os
Indios não são ‘isolados’ são livres e circulam porque não sabem dessas
fronteiras que os brancos inventaram, não tem indígena do Peru, do
Brasil, da Bolivia, nós somos o mesmo povo. Não queremos ser mandados,
queremos ser parceiros da FUNAI para ajudar os parentes isolados.”
No vídeo apresentando vemos as imagens de garotos indígenas muito
jovens no primeiro encontro, tenso e com um misto de celebração e
desespero dos agentes do encontro: “papa não, não pode! No, no, no!
Panela, não! Não, tem doença!” quando pegam uma muda de roupa. A
aproximação pelo oferecimento de comida.
O interesse dos indígenas pelos terçados, machados e também gestos de
impaciência com as reprimendas e ansiedade dos brancos. O Estado
brasileiro (ou qualquer estado) está preparado?
A missão foi exitosa, diz Carlos Travassos, mas as condições
precárias da Funai, a burocracia, a dificuldade em trabalhar em
cooperação entre Brasil, Peru, Bolivia, os desafios da Pan Amazônia se
impõem.
Numa infinita remediação de um campo e uma situação que precisa de
atenção mais do que urgente e que sofre retrocessos constantes. “Só
queremos viver” disse um dos indígenas.
Foi uma sessão emocionante com antropólogos, estudantes, agentes da Funai, e indígenas na SBPC em Rio Branco-Acre.
Ouvimos os relatos do antropólogo Terri Aquino, do indígena Jaminawá
José Correia, do antropólogo de Porto Maldonado, no Peru, Alfredo Gárcia
Altamirano, de Carlos Travasso, da Coordenação-geral de Indios Isolados
da Funai e de outros indígenas da região.
* Ivana Bentes é professora e pesquisadora da Escola de Comunicaçao da UFRJ
Tão impactante quanto o primeiro, publicado na terça-feira (29) e que
obteve mais de 900 mil visualizações em dois dias, este novo vídeo
mostra a alegria e a coragem de três jovens índios que até então viviam
em isolamento. Após o primeiro contato, eles se ausentaram e depois
reapareceram na praia do Rio Envira, causando alvoroço aos ashaninka e à
equipe da Funai.
Preocupados com a possibilidade de que os isolados saqueassem mais
uma vez as casas da Aldeia Simpatia, funcionários da Funai e os
ashaninka chegaram a implorar, em vão, para que o trio indígena fosse
embora.
Os índios isolados que estabeleceram contato pertencem a um subgrupo
do tronco linguístico Pano. O primeiro contato foi dificultado pelo fato
de que não conseguiram se comunicar com os ashaninka e com os
servidores da Funai.
A reportagem contou com a colaboração dos indígenas Júlio e Durines,
ambos da etnia jamináwa, que traduziram o que os três isolados dizem
durante quase 20 minutos de vídeo.
Os isolados não gostaram quando se aproximaram e foram recebidos de
modo ríspido por alguém da equipe que portava espingarda e estava
empenhado em evitar novos saques. Um deles alertou:
- Se vocês nos maltratarem, nós vamos botar feitiço em vocês.
Os isolados pediram que os brancos da equipe se ausentassem, pois
queriam ficar a sós com os indígenas ashaninka da Aldeia Simpatia.
A certa altura, quando alguém da equipe da Funai imita barulho de
arma de fogo e tenta tranquilizá-los de que não vão usar espingardas
contra eles, um isolado avisa que são acostumados a guerrear contra os
brancos. E explica:
- Nós estamos aqui porque outros povos costumam matar a gente na
floresta. É por isso que nós estamos aqui. Os outros não se dão bem com a
gente. As pessoas falam bem de vocês. É por isso que nós estamos aqui. O
meu pai está lá, mas eu estou aqui. Nós somos acostumados a brigar com
outros povos. Vocês podem matar um de nós, mas vocês também vão morrer.
Como é a vida lá? Como é a vida de vocês? Não estamos com raiva.
Os isolados sugerem a troca de arco e flecha por espingardas, dizem
que as flechas dos ashaninka são mais bonitas do que as flechas deles,
mas fazem questão de deixar claro que não estão em guerra:
- Eu sou homem e por isso estou aqui, para nos entendermos. Eu vim até aqui pra visitar o lugar de vocês.
O índio isolado mais jovem, aparentemente o mais destemido e
brincalhão, entoa um canto. Ele não esconde o sorriso quando a canção
diz:
- Nós estamos aqui e não estamos com medo de vocês. Não somos
crianças pra ter medo de vocês. Vocês não são nossas mulheres pra gente
ter medo de vocês.
O dia finda, a noite chega, e o ambiente se torna ainda mais pacífico
quando os isolados começam a imitar com perfeição canto de pássaros da
floresta.
Índios isolados podem ser exterminados no Acre por despreparo da Funai
Além dos massacres perpetrados háanos por madeireiros e narcotraficantes do lado peruano, os povos
indígenas isolados que vivem na fronteira do Acre com o Peru correm
risco de extermínio por causa do despreparo e da falta de estrutura da
Fundação Nacional do Índio (Funai) do lado brasileiro.
A Frente de Proteção Etnoambiental Envira foi invadida há três anos
por narcotraficantes peruanos, os funcionários da Funai fugiram e a base
só foi reaberta no mês passado, quando os índios isolados tomaram a
iniciativa de estabelecer os primeiros contatos.
O antropólogo Terri Aquino, da Funai, que há 39 anos atua na região, declarou ao Blog da Amazônia que
a autarquia não está preparada para estabelecer contato com povos
indígenas isolados porque desde 1987 adotou como política o não contato.
- Os índios isolados estão em busca de proteção e de acesso à
tecnologia, ou seja, machado, pólvora, terçado, panela. Chegou a hora do
estado brasileiro ser generoso. Não pode ficar o tempo todo dizendo não
e não aos isolados. Do contrário, nesta fase do contato, os isolados
podem se revoltar e acontecer um massacre envolvendo a jovem equipe de
indigenistas da Funai que pouco conhece a floresta – alertou.
Em vídeo gravado pela equipe da Funai, na Aldeia Simpatia, da Terra
Indígena Kampa e Isolados do Alto Rio Envira, o sertanista José Carlos
Meirelles, que viveu durante mais de 20 anos na FPE Envira e atualmente
trabalha na Assessoria Indígena do governo do Acre, disse que o grupo de
índios isolados que buscou contato com a Funai está sendo pressionado
por pessoas (madeireiros e narcotraficantes) que atuam no Parque
Nacional do Purus, no Peru.
Meirelles relatou que os índios deixaram claro que estão sendo mortos a tiros de espingarda e que tocaram fogo em suas casas.
- São todos jovens e a impressão que passa é que esse povo quer se
chegar a alguém que não mate eles. Estão pedindo para a gente a nossa
obrigação funcional. Esse pessoal está pedindo à Funai o que o estado
brasileiro tem dever de fazer. Eles nem precisariam estar pedindo, pois é
obrigação nossa.
O sertanista considera a situação complicada e defende que a FPE
Envira receba apoio real para que possa proteger os índios isolados.
- Se não derem estrutura para que as pessoas segurem o que vem por
aí, infelizmente nós vamos repetir a história e seremos co-responsáveis
pelo extermínio desse povo. Se a gente não fizer nada agora, se o estado
brasileiro não se movimentar e realmente entender que essas pessoas
merecem viver, que o estado brasileiro diga que vai deixá-los morrer.
Não dá mais para contemporizar. Ou faz, dando estrutura, ou o estado
brasileiro diz: tudo bem, mais um genocídio no meu currículo.
Terri Aquino revelou que já existe um clima de insatisfação
envolvendo o grupo de oito índios isolados que se estabeleceu desde o
domingo (27) na FPE.
- Os isolados querem terçados, munição, armas, panelas, roupas. A
Funai não tem nada para oferecer e isso já forçou o recuo do pessoal do
pessoal da base da FPE para a Aldeia Simpatia. Os conflitos surgem em
bases de contato quando os índios chegam e não encontram nada.
No entendimento do antropólogo, a Funai precisa cuidar de um nova
terra para os índios isolados e indenizar as benfeitorias das famílias
dos índios do entorno saqueadas pelos isolados. Foram mais de 70 casos
de saques nos últimos 30 anos, sendo a maioria no período de 2006 a
2013.
- As famílias nunca foram indenizadas. Os ashaninka, por exemplo,
receberam os índios isolados e não tiveram nenhuma reação agressiva.
Perderam tudo o que tinham. A Funai, sem cogitar indenizar essas
famílias, cria um ambiente desfavorável no entorno. Isso pode criar uma
reação agressiva.
Terri Aquino acha imprescindível a presença da Força Nacional de
Saúde para prestar assistência e imunização contra doenças que os índios
isolados não tem resistência.
- É preciso atender da mesma maneira os índios do entorno, que estão
totalmente desassistidos. Eu mesmo presenciei recentemente, na Aldeia
Simpatia, criança morrendo de diarréia. A Funai não vai segurar os
isolados na base sem que não tenha nada para oferecer. Não tem comida,
nada. A Funai pode ser responsável até pela morte de seus funcionários.
O geógrafo Carlos Travassos, chefe da Coordenação-geral de Índios
Isolados da Funai, informou que opera com apenas R$ 2,3 milhões no
orçamento, sendo que 30% estão contingenciados. Recentemente, no Acre, o
indigenista Guilherme Siviero, tirou do próprio bolso R$ 800 para
comprar um canoa necessária para o trabalho da equipe envolvida na
proteção dos isolados.
- A previsão é de que no próximo ano haja redução orçamentária. É
assim que atuamos na proteção de 27 grupos de índios isolados
confirmados, monitorando 31 milhões de hectares de terras indígenas na
Amazônia Legal, onde são mantidas 12 frentes de proteção etnoambietnal –
afirma Travasssos, que trabalha na Funai há sete anos, tendo atuado nas
frentes de proteção etnoambiental do Javari e Médio Purus.
Também, em vídeo gravado pela Funai na na Aldeia Simpatia da Terra
Indígena Kampa e Isolados do Alto Rio Envira, o coordenação-geral de
Índios Isolados da Funai disse que é crescente a dificuldade
orçamentária e de recursos humanos. Planeja, faz uma série de
diagnósticos, busca criar planos de contingência para situação de
contato, mas surgem vários cortes orçamentários, além do recrudescimento
sobre as obrigações do estado brasileiro em reconhecer terras indígenas
onde há a presença de índios isolados.
- Nosso orçamento, por mais que tenhamos mostrado e comprovado a
necessidade de se aumentar, o que temos visto é a diminuição. Os
compromissos estabelecidos na área de saúde não vem sendo cumpridos. As
populações indígenas no entorno dos povos isolados talvez tenham a pior
atenção na área de saúde.
Segundo Travassos, a base do Xinane, que foi fechada por causa da
presença de narcotraficantes vindos do Peru, contou com reações
esporádicas da Polícia Federal, sempre com muito sacrifício.
- O que temos ouvido é que é uma presença inócua de narcotraficantes e
que isso não é prioridade para as autoridades policiais. Acho isso um
absurdo. Acho que quando se tem uma população de povos isolados e povos
contatados, à mercê de bandidos, que trabalham ilegalmente com o uso da
força, da espoliação de território e de genocídios, isso deveria ser
levado a sério dentro de uma política nacional e internacional
encabeçada pelo Brasil.
No epoimento a que a reportagem teve acesso, Travasssos assinala o
fato de que os índios isolados que procuraram estabelecer contato são
muito jovens.
- Hoje, a situação que temos é ver esses jovens, que sobreviveram a
alguns massacres. Talvez seja a última vez que estejamos vendo esses
meninos, que amanhã podem estar mortos, seja por doenças ou tiros de
espingarda. Faço um apelo ao alto escalão do governo, principalmente ao
Ministério do Planejamento, que tem ignorado nossos projetos e nossas
solicitações de medidas orçamentárias. Faço um apelo às forças federais
de segurança pública para que possam nos dar apoio na região. Temos que
ter capacitação para enfrentar grandes criminosos que vem do outro lado
com grande poder de fogo. Dispomos de todas as informações do que é
necessário para se realizar um trabalho melhor. Isso já foi repassado ao
governo e eu gostaria que isso fosse tratado seriamente. Muitas vezes
essa questão dos índios isolados, a informação que levamos, não são
levadas a sério. Os servidores da Funai se sacrificam para proteger
esses povos, mas o governo precisa dar apoio para que se possa realmente
fazer um trabalho humanitário, correto e republicano, para que
populações inteiras não sejam exterminadas.
Governo aprova R$ 5 milhões para proteção aos índios isolados
Por causa da repercussão nacional e
internacional decorrente da publicação de imagens de um povo indígena
isolado estabelecendo contato no Acre, o governo brasileiro aprovou um
projeto que prevê a aplicação de R$ 5 milhões nos próximos cinco anos
para apoio e proteção aos índios isolados no Estado. Concebido e
coordenado pela organização não-governamental Comissão Pró-Índio do
Acre, indigenistas e antropólogos, o projeto foi apresentado nesta
quinta-feira (31) pelo senador Jorge Viana (PT-AC) ao ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo, e à presidente da Funai, Maria Augusta
Assirati.
A justificativa do projeto é a de que, no contexto das transformações
pelas quais passa atualmente a região transfronteiriça Brasil-Peru,
torna-se necessária e urgente uma atuação mais efetiva do Estado
brasileiro no sentido de minimizar os impactos fundiários, econômicos e
socioambientais decorrentes das obras de infraestrutura e da exploração
dos recursos florestais, petrolíferos e minerais.
O projeto consiste na reestruturação da Frente de Proteção
Etnoambiental (FPE) Envira, com a revitalização de suas bases de
proteção etnoambiental Xinane e Douro e a criação de duas novas bases no
Alto Muru e Mamoadate, com objetivo de assegurar a proteção dos povos
denominados “isolados” no Estado do Acre. Consiste também na realização
de ações educativas e de sensibilização das comunidades do entorno,
visando garantir a proteção e os direitos desses povos que, por vontade
própria, decidiram permanecer numa situação de isolamento voluntário.
A base Xinane da FPE Envira foi invadida há três anos por
narcotraficantes peruanos, os funcionários da Funai fugiram e só foi
reaberta no mês passado, quando um grupo de índios isolados tomaram a
iniciativa de estabelecer os primeiros contatos com indígenas da etnia
ashaninka, na Aldeia Simpatia, e funcionários da Funai.
O projeto considera vital a participação das comunidades Kaxinawá,
Ashaninka, Madijá, Manchineri e Jaminawa, que compartilham suas terras
indígenas com povos não contatados, por meio da cooperação com suas
associações de representação, visando o fortalecimento institucional a
contribuição nas políticas de proteção aos povos indígenas isolados.
Entre os objetivos do projeto, estão previstas parcerias e troca de
informações e experiências com organizações indígenas e governamentais
envolvidas na proteção aos “pueblos en aislamiento voluntário” no lado
peruano da fronteira.
Veja trechos do relato do projeto
“A exploração do caucho inicia-se no final do século XIX, em
território peruano, nas cabeceiras dos rios que correm para o território
acreano. Ao mesmo tempo, a empresa seringalista se estabelece nesses
mesmos rios, no sentido inverso. A única diferença entre as duas
explorações é que uma é itinerante e predatória, no caso do caucho, pela
derrubada das árvores para a extração do látex.
Vários povos indígenas que viviam na região dos altos rios Purus e
Juruá foram cercados, alguns deles exterminados pelas “correrias”
(matança organizada) e outros incorporados aos seringais que se
estabeleceram em seus territórios tradicionais.
Nas cabeceiras de alguns rios acreanos, tanto no Brasil como no
Peru, não existe seringa nem caucho. Foram exatamente nessas áreas mais
distantes e de difícil acesso que alguns povos indígenas conseguiram
evitar o contato regular com as empresas seringalista e caucheira. E
assim conseguiram, a duras penas, se refugiar e crescer durante todo o
período da exploração da borracha.
Com o fim dos seringais nativos e da exploração da borracha, que
praticamente se consolidou nos anos 1990, os índios isolados voltaram a
ocupar seus antigos territórios. E neles encontraram seringueiros e
povos indígenas contatados, que haviam sido remanejados de suas terras
tradicionais pelas empresas seringalista e caucheira.
Desde o início da ocupação de seus territórios, esses povos, que
resistiram ao contato regular com o mundo dos seringais, descobriram que
o novo povo que ali chegara possuía machados, facões e panelas de
materiais mais eficientes do que os de pedra, madeira e barro que
fabricavam. Essas novas tecnologias foram se incorporando as suas
culturas e a única forma de consegui-las seria saqueando o entorno, hoje
constituído, na sua maioria, pelos Kaxinawá, Madijá e Ashaninka,
secularmente contatadas, e por comunidades ribeirinhas estabelecidas nos
antigos seringais, nos altos rios Iaco, Acre, Chandless, Purus, Envira,
Muru, Iboiaçu, Humaitá, Tarauacá, Jordão e Breu.
Até 1988, a política do Estado brasileiro em relação aos povos
indígenas isolados era de contatá-los. A partir dessa data, a política
passa a ser a da proteção, sem a necessidade do contato. Nesse ano, foi
criada a Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Envira.
A FPE Envira tinha um efetivo de pessoal constituído por um
sertanista e vários mateiros terceirizados, que permaneciam nas bases de
proteção. A substituição dos mateiros regionais pelos “auxiliares em
indigenismo”, novos servidores da Funai concursados em 2010, mas com
pouca experiência de campo, resultou no esvaziamento da Frente Envira,
em sua função principal de proteger os povos isolados, seus vizinhos e
seus territórios.”
Corredor contínuo de terras indígenas e unidades de conservação ocupadas e utilizadas pelos "isolados"
"No Estado do Acre, ao longo da fronteira internacional
Brasil-Peru e de suas cercanias, dez terras indígenas e duas unidades de
conservação (um parque estadual e uma estação ecológica federal), com
extensão agregada de pouco mais de 2,1 milhões de hectares, distribuídas
em sete municípios, constituem territórios de moradia permanente e/ou
de usufruto de grupos indígenas "isolados", como se pode observar na
tabela abaixo.
Nos últimos 25 anos, a FPE Envira localizou quatro povos isolados
distintos no lado acreano da fronteira Brasil-Peru, três deles
agricultores, com suas malocas e roçados situados nas nascentes do rio
Humaitá, afluente da margem direita do alto rio Muru, e nas cabeceiras
dos igarapés Riozinho e Xinane, afluentes de ambas as margens do alto
rio Envira. Provavelmente, esses três povos isolados agricultores falam
idiomas da família linguística Pano.
Os chamados “isolados do rio Humaitá” são também conhecidos como
“brabos acreanos”, porque sempre viveram ali nas florestas das terras
firmes colinosas nos divisores de águas compreendidas entre as nascentes
desse rio e as cabeceiras dos igarapés da Inês, Paranãzinho, Anjo,
Simpatia, Dois Irmãos, afluentes da margem esquerda do alto rio Envira.
Nesta área foram localizados mais de 10 conjuntos de malocas e roçados, o
que indica uma população formada por mais de 300 índios. Provavelmente,
a maior população dentre esses índios isolados agricultores. Suas
trilhas de deslocamentos pela floresta se estendem desde as nascentes do
Humaitá até a sua foz, percorrendo todas as cinco aldeias da Terra
Indígena Kaxinawá do Rio Humaitá, passando ainda pelos altos rios Envira
e Muru e por todo o curso do rio Iboiaçu.
Já os “isolados do Riozinho” tiveram suas malocas e roçados
localizados à primeira vez nos sobrevoos promovidos pela Frente Envira,
em 2003 e 2004, no contexto dos estudos de identificação e delimitação
da Terra Indígena Riozinho do Alto Envira. Parecem ser parte do mesmo
grupo isolado que ocupa as cabeceiras do rio Curanja, afluente da margem
esquerda do alto rio Purus, logo do outro lado da fronteira. Pelo
número de malocas e roçados, sua população foi estimada em mais de 150
índios. Até agora são os únicos que não se deixaram avistar nos inúmeros
sobrevoos já realizados sobre suas malocas e florestas.
Por sua vez, os “isolados do Xinane” migraram, a partir de 2006,
do lado peruano da fronteira para as cabeceiras do igarapé de mesmo
nome, na Terra Indígena Kampa e Isolados do Rio Envira. Suas malocas,
roçados e os próprios “isolados” foram recentemente fotografados nos
sobrevoos promovidos por uma equipe do CIMI e da Reuters. Sua população,
estimada pela Frente Envira, é de aproximadamente de 100 a 150 índios
isolados.
Um quarto povo isolado, os Mashco-Piro, formado por vários bandos
nômades, percorrem as florestas das nascentes de quatro grades bacias
hidrográficas da Amazônia peruana (Madre de Dios, Purus, Juruá e
Ucayali). Entram em território acreano pelo Acre, Iaco, Chandless e
Envira, que são rios binacionais.
Em seus deslocamentos pelas florestas das cabeceiras dos
mencionados rios acreanos, quase sempre na época seca de verão
amazônico, não cultivam roçados nem constroem malocas, Em diversos
locais das cabeceiras desses rios foram localizados apenas acampamentos
provisórios, com dezenas de tapiris, indicando para cada um de seus
grupos extensos uma população constituída por 100 a 150 índios, Em seus
acampamentos temporários foram encontrados muitos ossos de caças, cascos
de jabutis e cocos quebrados, mas não foram vistos nenhuma escama e
espinha de peixes, bem como cascos e ovos de tracajás e tartarugas,
indicando condições de vida típicas dos grupos de caçadores e coletoras
nômades da floresta.
Na época das chuvas de inverno, ocupam as cabeceiras do rio Madre
de Dios e de seus afluentes Tahuamanu, las Piedras e los Amigos, tantos
nas Reservas Territoriais Mashco-Piro e Murunahua, quanto no Parque
Nacional Alto Purús, em território peruano. Fala a mesma língua dos
Manchineru/Yine da Terra Indígena Mamoadate, um idioma do tronco
linguístico Aruaque.
Com base nos sobrevoos e incursões terrestres promovidos na região
acreana fronteiriça, a Frente Envira, criada oficialmente em 1988,
estima uma população agregada dos “isolados” no Estado entre 600 e 1.000
índios, talvez a maior concentração de índios isolados na Amazônia
brasileira.
No Estado do Acre, as terras tradicionalmente ocupadas por esses
quatro povos isolados são compartilhadas com grupos indígenas
secularmente contatados, dentre eles, os Kaxinawá, Ashaninka, Madijá,
Manchineri e Jaminawa.
No lado peruano, também existe um mosaico contínuo extenso
formado por áreas de comunidades nativas, parques nacionais e reservas
territoriais para índios isolados. No início da primeira década do
presente século, um novo modelo de ocupação se inicia em ambos os lados
da fronteira.
Nos últimos 15 anos, a região transfronteiriça formada pelas
calhas dos altos rios Madre de Dios, Purus, Juruá e Ucayali,
anteriormente habitada quase que exclusivamente por povos indígenas
isolados e contatados e por populações tradicionais, passou por
profundas transformações econômicas e socioambientais decorrentes da
intensificação das frentes madeireiras e petrolíferas e de grandes obras
de infraestrutura, que provocaram impactos significativos nas
populações locais, sobretudo nas últimas áreas de refúgio desses povos
isolados.
No Estado do Acre, essas transformações repercutiram intensamente
entre 2004 e 2006, com as invasões promovidas por madeireiros ilegais
peruanos, patrocinados por empresas madeireiras de Pucallpa, na Terra
Indígena Kampa do Rio Amônia e no Parque Nacional da Serra do Divisor.
A partir de 2006, houve um reordenamento territorial entre povos
isolados ao longo da fronteira Brasil-Peru, levando alguns deles a se
deslocarem do lado peruano da fronteira para terras indígenas acreanas, a
exemplo do grupo isolado das cabeceiras do Xinane que migrou para a
Terra Indígena Kampa e Isolados do Rio Envira. Provavelmente fugindo das
invasões promovidas por madeireiros ilegais em suas últimas áreas de
refúgio situadas na Reserva Territorial Murunahua e no Parque Nacional
do Alto Purus, em território Peruano.
A partir de 2010, a presença de narcotraficantes nas cabeceiras
do rio Envira, provavelmente buscando novas rotas do tráfico de cocaína e
outras drogas ilícitas, praticamente fechou a base Xinane da Frente
Envira e que, desde então, encontra-se desativada.”
Justificativas
"No contexto das transformações pelas quais passa atualmente a
região transfronteiriça Brasil-Peru, torna-se necessária e urgente uma
atuação mais efetiva do Estado brasileiro no sentido de minimizar os
impactos fundiários, econômicos e socioambientais decorrentes das obras
de infraestrutura e da exploração dos recursos florestais, petrolíferos e
minerais.
A construção da rodovia Interoceânica, a abertura da estrada
Jordão-Novo Porto, interligando os altos rios Tarauacá e Muru, nas
proximidades da fronteira acreana, e o projeto de construção da estrada
Iñapari-Puerto Esperanza, interligando as calhas dos altos rios Acre,
Iaco e Purus, bem como a intensificação das frentes madeireiras e
petrolíferas, do narcotráfico e outras atividades ilegais, no lado
peruano da fronteira, certamente têm trazido às terras indígenas
acreanos impactos socioambientais negativos, promovidos por caçadores e
pescadores predatórios, madeireiros ilegais e, mais recentemente, pelo
narcotráfico.
Por outro lado, a intensificação das frentes madeireiras e
petrolíferas no lado peruano da fronteiratêm provocado amigração forçada
de grupos de índios isolados para terras indígenas acreanas, a exemplo
do que aconteceu a partir de 2006, quando um grupo de índios isolados,
provavelmente oriundos da Reserva Territorial Murunahua e/ou do Parque
Nacional Alto Purús, mudou-se para as cabeceiras do igarapé Xinane, na
Terra Indígena Kampa e Isolados do Rio Envira.
Essas dinâmicas econômicas transfronteiriça também têm provocado
contatos forçados com grupos “isolados” e mudanças no calendário de seus
deslocamentos por ambos os lados da fronteira. Têm promovidos ainda
intensificação do desmatamento; diminuição das ofertas de caça e pesca e
de outras formas tradicionais de sobrevivência; mudanças culturais
abruptas entre os povos indígenas que vivem próximos das estradas;
aumento da violência e da possibilidade de confrontos armados,
envolvendo povos indígenas, sobretudo os isolados.
Conflitos também ocorrem devido ao crescente aumento dos casos de
saques promovidos por grupos de índios isolados nas aldeias das terras
Kaxinawá, Ashaninka, Madijá, Manchineri e Jaminawa, bem como nas casas
de moradores não indígena do entorno destas terras, a maioria delas já
regularizada pelo governo brasileiro. Por conta disso, as famílias
indígenas e regionais veem reivindicando a indenização dos bens
saqueados para se evitar a criminalização e o aumento dos confrontos
armados com grupos de índios isolados.
Para a reestruturação de duas bases de proteção já existentes,
Xinane, e Douro e a construção de duas outras, Alto Muru e Mamoadate, é
imprescindível a contratação de recursos humanos especializados para a
realização de trabalhos de localização, monitoramento e vigilância em
locais estratégicos e de difícil acesso, possibilitando assim uma
proteção efetiva aos povos isolados.
Além disso, é necessário fortalecer a cooperação entre
Brasil-Peru para propiciar maior fluxo de informações e ações
coordenadas para a proteção dos povos indígenas isolados, a partir de
experiências e termos de cooperações já existentes.
A reestruturação das bases de proteção e a construção de novas
bases da Frente Envira, possibilitarão ao Estado uma oportunidade de
garantir, com ações de localização, monitoramento, vigilância e
fiscalização, a proteção dos povos isolados e seu entorno e, com a
implementação de ações educativas, como as oficinas de sensibilização e
informação que promovem e facilitam o diálogo entre os diversos
interesses e populações da floresta.
Em 2009, iniciou-se um ciclo de “oficinas de informação e
sensibilização sobre povos isolados” na Terra Indígena Kaxinawá do Rio
Humaitá e nas comunidades de moradores não indígenas dos rios Iboiaçu e
alto Muru, estendidas no ano seguinte às terras Kaxinawá de Jordão e
Alto Tarauacá. E, logo em seguida, realizadas nas terras Ashaninka e
Madijá do alto rio Envira.
Essas oficinas foram promovidas pela Comissão Pró-Índio do Acre em
parceria com a Frente de Proteção Etnoambiental Envira, o governo do
Estado e o Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, da Universidade
Federal do Amazonas.
Como produtos gerados nestas oficinas, destacam-se: produção de
um Mapa da Presença de Índios Isolados nos Altos Rios Iboiaçu, Humaitá,
Muru, Tarauacá, Jordão e Envira; atualização de Planos de Gestão de
Terra Indígenas compartilhadas com “isolados”; mapeamento de malocas,
roçados e trilhas de deslocamentos de três povos isolados agricultores
distintos; produção de um relatório preliminar sistematizando
informações sobre a situação dos “isolados” em ambos os lados da
fronteira; disponibilização de partes das terras Kaxinawá do Jordão e do
Humaitá, situadas mais às cabeceiras de seus rios, para uso dos povos
isolados; propostas de indenização dos bens saqueados pelos “isolados”;
recomendações para o reconhecimento oficial de uma nova terra indígena
para usufruto de índios isolados e aparticipação dos Kaxinawá,
Ashaninka, Madijá, Manchineri e Jaminawa nas ações de vigilância e
fiscalização desenvolvidas pela Frente Envira em suas bases de proteção
etnoambiental.
Para isso, é fundamental que haja, na criação, estruturação e
manutenção das bases, o protagonismo indígena, por meio da consolidação
das parcerias com as associações das comunidades que compartilham seus
territórios com os isolados, por meio da elaboração de Termos de
Parceria com cada uma delas, (Associação do Povo Indígena do Rio Humaitá
-ASPIRH, Associação de Cultura do Humaitá-ACIH, Associação dos
Seringueiros Kaxinawá do Rio Jordão-ASKARJ, Organização do Povo
Manchineri do Rio Iaco-MAPKAHA e Associação do Povo Ashaninka do Rio
Envira-ASPARE), bem como de mateiros regionais, para que as bases não
fiquem à mercê das contingências financeiras e burocráticas.
As parcerias com as diversas instâncias do poder público acreano e
com as organizações da sociedade civil permitirão, além do envolvimento
de profissionais qualificados e o desenvolvimento de metodologias
adequadas, o comprometimento de boa parte da sociedade e dos que já
atuam nas terras indígenas compartilhadas com os isolados. Sem um
entorno parceiro não há como o Estado brasileiro proteger efetivamente
esses povos isolados.
A participação, capacitação dos indígenas e mateiros regionais que se
encarregarão do funcionamento cotidiano das bases da Frente Envira,
assim como as oficinas nas terras indígenas compartilhadas com os
“isolados” e nas comunidades de moradores não indígenas do entorno,
certamente resultarão numa mudança significativa de uma nova mentalidade
em relação a esses povos que ainda mantêm uma intensa relação com a
floresta.
A comunicação, a troca de experiências e a informação são outros
fatores importantes para o sucesso, a continuidade e o desenvolvimento
pleno das potencialidades desse projeto. Nesse sentido, é importante
criar um sistema de radiofonia eficiente, que permitirá às comunidades
indígenas uma rápida comunicação entre si e com os órgãos competentes
sobre a presença de índios isolados nas proximidades de suas aldeias.
Também se faz necessário a continuidade do intercâmbio de
informações com organizações indígenas e instituições do governo
peruano, que realizam trabalho de proteção aos “isolados” no outro lado
da fronteira, como os encontros binacionais, o Grupo de Trabalho
Transfronteiriço (GTT), o grupo de monitoramento de índios isolados, as
relações construídas com organizações indígenas, a trocas de
experiências entre povos dos dois lados da fronteira, o intercambio de
bases de dados georreferenciados e termo de cooperação entre Ministério
da Cultura (Peru) e Funai e, entre esta última e o governo do Estado.
A produção de materiais de divulgação das ações desenvolvidas
(fascículos, boletins, folders, vídeos, mapas, artigos, etc.) terá como
beneficiários não só os diretamente envolvidos, mas também servirá de
suporte às escolas indígenas e dos municípios próximos à fronteira. O
conhecimento das culturas, das línguas, da geografia e da história, da
região, direta ou indiretamente, incidirá na qualidade do ensino, caso
se garanta uma distribuição ampla desses materiais produzidos.
Divulgar, através dos meios de comunicação e das redes sociais,
os impactos positivos das ações do projeto, sobretudo das oficinas,
servirá para conscientizar o público em geral da importância de se
respeitar os direitos e assumir, como tarefa de todos os acreanos a
proteção dos povos da floresta."
via Altino Machado
1 comentários:
Santo Dio!!! Quanto despreparo de Meireles e "equipe" no "contato" com o pequeno grupo Xatanawa...
Cara Malinche,
Assim se encontram os povos indígenas: proibidos de ficar, confinados e fragmentados, obrigados a sair...
Dura realidade provada pelas populações indígenas da região Amazônica, especialmente as localizadas nas fronteiras; onde a violência e as vozes se fazem ainda mais silenciosas - sufocadas pelo medo.
O narcotráfico, o agronegócio, dentre outras malezas, se expandem na mesma medida e velocidade que correm seus rios e a grande floresta; tudo muito assustador! Vai penetrando em terras indígenas, aliciando grupos, movendo povoados e cidades encravadas nesse extenso mosaico geográfico.
As demandas sobre a Amazônia brasileira estabelecem urgências e prioridades, tanto no campo da segurança, da política, do econômico, social e ambiental, visto que sobre esses motes recaem influências e pressões de toda ordem.
Urge (re) pensar a Amazônia, Malinche, não mais sob a ótica dos deslumbramentos, exotismos e maravilhas do imaginário humano. A realidade é muita outra quando se verifica que os fatos contradizem a imaginação, e quando habitado e sentido de muito perto, se percebe que o paraíso não é bem ali!
Um Abraço!
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