Live from Copenhaga 2009

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Dois índios, de uma tribo considerada extinta, vagam por fazendas de Mato Grosso. Há mais de 20 anos não havia sinal da sua etnia, os piripkuras. Mas essa dupla de sobreviventes se recusa a fazer contato com quer que seja. Não quer falar com homens brancos. Não quer ajuda. Juntos, eles apenas riem das histórias que contam um ao outro. Preferem ficar sós. 
Em Recusa, espetáculo que entra em cartaz quinta, a cia. Balagan tomou esse episódio verídico como ponto de partida. Veiculada pela imprensa em 2008, a notícia surge como mote para a parceria entre a diretora Maria Thais e o dramaturgo Luís Alberto de Abreu. De posse da história, eles organizaram uma montagem que entrelaça diversos olhares. 

Além dos dois índios piripkuras, também aparece uma dupla de heróis ameríndios, Pud e Pudleré. O fazendeiro que matou um índio e sua vítima. Macunaíma e seu irmão. "Tentamos aprender como multiplicar perspectivas. Em vez de tentar apreender o mundo por uma perspectiva só", explica Eduardo Okamoto, ator que divide a cena com Antonio Salvador. "Para esses povos não é possível nunca anular as diferenças, porque o mundo é feito delas. O que é um pouco diferente da tradição europeia e ocidental, em que há uma voz única, um só ponto de vista."
A vontade de apreender o mundo de outra maneira, que não a usual, já havia motivado a criação anterior da companhia. Em Prometheus - A Tragédia do Fogo enredos múltiplos e cenas descontínuas foram convocadas para recontar o mito grego. Recusava a dimensão heroica de Prometeu, titã que rouba o fogo dos deuses para entregá-lo aos homens. Nos dois espetáculos, organizam-se cosmologias diferentes da nossa: de um lado a grega, do outro a ameríndia. Um outro traço comum também aproxima as montagens: em ambas, os mitos criadores partem da figura de gêmeos. "São dois tratamentos completamente distintos para a ideia de duplo", pontua a diretora. "Para os gregos, o gêmeo de Prometeu, que é Epimeteu, precisa ser morto. No caso ameríndio, o duplo é necessário."
Novas maneiras de ver o mundo exigem também novas formas de narrar. "Foi um exercício. Eu estava cansado do modelo clássico. Então, foi um processo de se livrar das raízes, de pensar em uma narrativa que não se desenvolve de maneira linear", comenta o autor. 
"Era uma busca por outras formas de fabular no teatro", complementa Maria Thais. "Não querer fazer o dramático. E descobrir quais possibilidades esse diálogo com uma nova mentalidade poderia oferece. Para o ator Antonio Salvador, era "a perspectiva de uma teatralidade que não é calcada no sujeito, na relação temporal".
Para compor a peça, Abreu partiu de uma série de discursos de naturezas distintas: além do episódio jornalístico, narrativas antropológicas, passagens míticas e discursos de entidades ligadas à causa indígena foram utilizadas. Também não faltaram canções e transcrições de relatos dos próprios indígenas. Durante a processo de pesquisa para construção da montagem, o grupo passou um período na aldeia Gapgir, em Rondônia. "Mas temos plena consciência de que esse não é o discurso deles. Não é a voz deles. Somos nós que estamos falando", ressalva a encenadora. 
À primeira vista, Recusa condensa o registro de uma tragédia: os sobreviventes de um povo morto, condenados a desaparecer irremediavelmente, sem deixar rastros. Mas pode ser também um retrato de resistência. "É a imagem de que podemos recusar um modo de vida que é aparentemente universal, podemos não querer nos integrar", diz Maria Thais. "E é exatamente essa a atitude que eu almejo ter como artista."


via Estadão

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