19.08.08
Acompanhamos a segunda fase da operação da Funasa. Na primeira, os índios receberam vacinas para prevenir doenças como tuberculose, hepatite B, febre amarela, difteria e tétano. Agora, a fase é de triagem dos povos das aldeias com maior contato com a civilização. A terceira, que deve começar no fim do mês e é a mais complicada, vai atender os índios isolados.
31.05.08
Nesta semana que passou um outro fato mereceu destaque. A Funai divulgou fotos de índios isolados que vivem no Acre, no rio Envira, feitas em um sobrevôo do sertanista José Carlos Meirelles, da Frente de Proteção Etnoambiental da Funai. Os índios, pintados de urucum (vermelho) e jenipapo (preto), com cabelos cumpridos, raspados na tampa do crânio, atiraram flechas contra o avião que buscava dados para manter atualizada a referência daquele grupo que há 20 anos é monitorado por Meirelles. Uma figura lendária do trabalho com índios no Brasil, o sertanista já havia feitos imagens desse povo, mas decidiu divulgá-las agora para chamar a atenção para o problema das invasões que ocorrem naquela região por parte de madeireiros e plantadores de coca vindos do Peru. O caso virou notícia no mundo todo.
Nesta sexta-feira um levantamento feito pelo site Contas Abertas revela um dado que pode ser preocupante. A consulta ao Siafi (sistema de acompanhamento orçamentário federal) mostrou que o item “fiscalização de terras homologadas”, dos gastos previstos pela Funai no orçamento 2008 foi reduzido sensivelmente. No ano passado, estavam previstos quase R$ 9 milhões - R$ 6,5 milhões foram pagos. Este ano, está autorizado R$ 1,3 milhão. O pior, R$ 1,1 milhão já foi aplicado desde janeiro. O orçamento para demarcação de terras indígenas em 2008, no entanto, é o dobro de 2007. Foram destinados R$ 39,6 milhões este ano contra R$ 19,1 milhões do ano passado.
24.05.08
No final de tarde de segunda-feira, o helicóptero Cougar, do Exército, pousou no campo de futebol da aldeia de São Sebastião, dos índios marubos, na região central da reserva indígena do Vale do Javari – segunda maior do País – para nos levar de volta a Cruzeiro do Sul (AC), ponto mais perto da região, pelo ar. Eu, o repórter-fotográfico Paulo Liebert, e outros jornalistas passamos cinco dias acompanhando equipes da Funasa e das Forças Armadas na operação de vacinação e triagem epidemiológica feita entre os 3,6 mil índios que vivem na região. Os indígenas das seis etnias do Javari estão morrendo. Os índices de doenças como a malária, a hepatite e a desnutrição infantil são preocupantes.
A reserva do Javari concentra o maior número de índios vivendo sem qualquer contato com o homem branco. O isolamento geográfico dos indígenas leva até mesmo as aldeias que já fizeram contato com a civilização manterem suas tradições e terem pouca influência da cultura do homem branco. É possível dizer que ali vivem índios de verdade, que preservam seus costumes, caçam e plantam a própria comida e estão sujeitos à morte, sem o controle e os remédios inventados pelo branco.
O grande problema desses povos é que o isolamento em que vivem, que permite que eles mantenham suas culturas preservadas, também faz com que precisem de ajuda do governo para sobreviver. O acesso às duas aldeias em que dormimos nesses cinco dias só foi possível de helicóptero. O Cougar só pode chegar lá porque tanto na Maronal como na São Sebastião existem campos de futebol. Os índios jogam todo fim de tarde. Dominam pouco a arte, mas adoram aquilo. Entre as crianças, como a bola é ainda um produto raro, é comum vê-los improvisando, como nesse flagra feito na aldeia de São Sebastião, onde eles usaram sacos plásticos amarrados com barbante para fazer algo parecido com uma bola. A reportagem completa da viagem, feita a convite da Funasa, pode ser conferida na edição do jornal O Estado de S. Paulo deste domingo.
23.05.08
O cacique-geral dos marubos, Ivinimpapa (nome branco Alfredo), conta aos jornalistas, em uma entrevista que deu, sentado à beira do rio, que não esperava que mais brancos fossem até sua aldeia, a Maronal, para passear. “Não estamos aqui como animais no zoológico para se tirar foto”, diz em sua língua Panô, traduzida pelo índio marubo Beto.
O cacique, no entanto, sabe que a imprensa pode ser usada como ponte de comunicação com o governo federal. E cobra de todos que transmitam aquilo que ele vai falar, sem alterações. Ivinimpapa reclama ajuda da União e fala dos problemas, ciente de que, entre seu povo, ele é o presidente. “Vocês podem ajudar a levar nossos problemas daqui para as autoridades, pois estamos sem contato, esquecidos”, diz o cacique.
22.05.08
Os índios marubos da primeira aldeia por onde eu e o repórter-fotográfico Paulo Liebert passamos, a Maronal, e da segunda, a São Sebastião, têm uma dieta alimentar balanceada e rica, segundo os nutricionistas da Funasa. Em geral, eles consomem diariamente alimentos ricos em: proteínas (carne da caça, peixe, frangos e carne de porco), carboidratos (mandioca, milho, batata entre outros) e vitaminas e sais minerais (frutas como mamão, banana, limão, laranja cidra, abacaxi, açaí, buriti, patuá, abil, cupuaçu, manda, goiaba e outras). As frutas são ingeridas durante todo dia.
Os índios marubos fazem três refeições por dia. Pela manhã, logo cedo, mingau de banana, que eles chamam de manimuçá, macaxeira, pupunha, milho, batata cozidas e carne. Por volta das 14 horas, eles comem os mesmos alimentos do desjejum. Uma terceira refeição é feita no início da noite. Só as mulheres preparam as refeições.
O cacique Txôgar (nome branco José Barbosa) explica que as três refeições são básicas, mas diz que os índios da tribo comem toda vez que recebem uma visita. É tradição oferecer comida para uma família que visita outra. E oferecer sem acompanhar é falta de respeito.
Uma coisa que chama a atenção é que na aldeia Maronal, onde o Rio Curuçá não é tão largo, a falta de peixe já é um problema. É que os índios se acostumaram a usar o timbó e o açakú (ervas com propriedades paralisantes) para capturar o peixe – o que pode ter reduzido sua presença no rio.
Outra curiosidade é que mesmo com a alimentação balanceada e sem hábitos sedentários, é comum ver as crianças com a barriga muito grande. É que a maioria deles tem problemas com verminose, em decorrência da falta de sistema sanitário e hábitos de higiene básicos.
21.05.08
As lideranças indígenas, acompanhados das mulheres e das crianças, falam na língua Panô em tom hostil. O tradutor comunica que eles exigem que Guenka assine um documento se comprometendo a construir um posto de saúde, pista de pouso e outras benfeitorias na aldeia. Para eles, a Funasa os deixará esquecidos, como outros fizeram, diz o cacique da aldeia, Maiãpa (nome branco Said Reis), um dos que têm malária.
A reunião é tensa e Guenka diz, no mesmo tom provocativo dos índios, que o fato de ele estar ali e sua palavra dada de que o posto será erguido já bastavam, e que não assinaria nenhum documento. O diretor da Funasa avisa que, se eles não acreditam na sua palavra, irá embora. Os índios, então, recuam. Outra liderança diz que Guenka não precisa se irritar e que eles só estavam sendo duros porque já foram muito enganados.
A agressividade dos marubos, no entanto, é entendida pelos agentes de saúde que já estavam na aldeia como uma conseqüência de um problema ocorrido na noite anterior à nossa chegada. Durante a madrugada, sumiram do posto de saúde improvisado sete galões de álcool puro. O médico Jaime Valência, acostumado com os povos indígenas, diz que eles ingerem o álcool com água e ficam agressivos.
20.05.08
A São Sebastião está mais para o centro da reserva indígena, num ponto onde o Rio Curuaçu é mais largo e caudaloso. A aldeia, também de índios marubos, é menor. Eles recebem os visitantes com olhares desconfiados, como se a nossa presença não fosse bem-vinda.
As casas estão mais concentradas ao redor de um campo de futebol, que também serve como heliponto. Diferentemente da Aldeia do Maronal, onde duas grandes malocas se destacam, na São Sebastião há apenas duas pequenas malocas. Mas há outras quatro em construção. Aqui não há posto de saúde. A escola é improvisada em um alojamento erguido pelos próprios marubos e sem a “sofisticação” da escola erguida no Maronal, com dinheiro da ONG das Novas Tribos do Brasil.
Há também menos índios. Segundo o cacique da aldeia, Maiãpa (nome branco Said Reis), moram na aldeia 98 pessoas.
O problema da malária é ainda mais grave que no Maronal. O próprio cacique é um dos contaminados pela doença.
Aqui também há uma embarcação do Exército aportada, o Uatapú – nome da balsa motorizada que trouxe os homens do 8º Batalhão de Infantaria de Selva de Tabatinga (AM).
Ficaremos alojados numa das casas erguidas pelos marubos. As redes dessa vez foram montadas pela equipe do sargento Sinval, com maestria.
Nas malocas, no entanto, logo na entrada principal há garrafas pet de refrigerante penduradas, todas já muito sujas por fora e com um líquido amarelado por dentro. É o chá alucinógeno ayahuasca. Os marubos mais velhos, os caciques e os pajés tomam a bebida, mas apenas em datas de festa ou quando fazem sessões de reza para curar algum enfermo. Durante nossa permanência na tribo, não houve consumo do chá.
Os marubos também consomem constantemente o rapé e aplicam o veneno do sapo – uma espécie de energizante para o corpo, segundo eles. Eles produzem o pó feito com fumo plantado nas roças e cinza de uma madeira retirada da floresta. O rapé é guardado em potes plásticos como os de água oxigenada vendidos em farmácia. Amarrado na tampa há uma espécie de inalador feito com ossos de asa de mutum (um tipo de galinha do mato).
Dois pequenos pedaços do osso, que é oco por dentro, são grudados com uma goma de borracha em formato de V. O pó é jogado na palma da mão. Com uma das pontas do inalador eles pegam o rapé. Esse lado é colocado dentro da narina e a outra ponta é levada à boca para um assopro potente, que faz o pó entrar pelo nariz. Os índios afirmam que o rapé serve para manter os caciques acordados e ajudam nas sessões de cura.
Os marubos não têm como principal característica o lado guerreiro, mas, como sempre caçaram para sobreviver, têm alguma destreza nisso. Os caçadores chegam com nove macacos. Nenhuma anta.
As mulheres carregam os animais mortos. Eles são colocados em cestas feitas com folhas de coqueiro entrelaçadas. Os cestos vão nas costas; com a testa, elas seguram a alça. As mãos ficam livres, para carregar as crianças e tralhas levadas para a caça.
Como esperado, os índios estão reunidos na maloca principal da aldeia, uma construção feita em madeira e palha como poucas. A maior parte das tribos brasileiras já não faz mais malocas grandiosas como a dos marubos do Vale do Javari. Eles querem receber os convidados e mostrar alguns de seus costumes.
A carne de macaco que todos esperavam ser servida durante a pajelança não aparece – para alívio de todos. Os integrantes da Funasa, do Exército e os jornalistas comem comida trazida e preparada pelos militares.
Um dos índios trouxe um tracajá (da mesma família das tartarugas) para ser assado, ou melhor, muqueado. Colocam o animal sobre a brasa e deixam que ele asse ali diretamente no fogo, sem qualquer tempero. Ele sai como carvão. Dizem que o valor nutritivo é alto, mas prefiro mesmo o arroz, feijão e frango duro do Exército.
Na maloca, os visitantes são recebidos pelos índios com uma dança de comemoração. Mas as índias estão envergonhadas. Diferentemente dos homens, as mulheres e crianças não saem da aldeia nem podem falar português. O dialeto está 100% preservado – apenas os mais jovens e os que mantêm contato com gente de fora falam também o português.
Os visitantes são convidados para dançar com os índios, sem qualquer regra, embalados pelo batuque do Aku. O instrumento é na verdade um tronco de árvore de diâmetro de mais de um metro, oco no meio e com uma fenda lateral. Com pilões de um metro e meio de altura três índios vão batucando o tronco. Em vez de dançar, preferi ficar sentado ao lado do cacique Ivinimpapa (nome branco Alfredo) ouvindo suas histórias.
Os primeiros resultados dos exames nas amostras de sangue dos índios marubos começaram a sair já no sábado à noite. Segundo o bioquímico Douglas, que acompanha a equipe da Funasa, foram coletadas no primeiro dia 84 amostras. De um total de 70 primeiras análises, em 6 foi detectada malária. O índice de quase 10% foi considerado alto pelos profissionais de saúde. Os índios receberam da Funasa medicamentos especiais para a doença. Basicamente são três: no caso da malária mais grave o remédio é o coartem; para a mais leve, uma associação de cloroquina e primaquina. Foram feitas também análises para identificação de anemia, diabetes e outras doenças. No caso da hepatite, os resultados vão demorar mais.
Acompanhamos a segunda fase da operação da Funasa. Na primeira, os índios receberam vacinas para prevenir doenças como tuberculose, hepatite B, febre amarela, difteria e tétano. Agora, a fase é de triagem dos povos das aldeias com maior contato com a civilização. A terceira, que deve começar no fim do mês e é a mais complicada, vai atender os índios isolados.
O repórter-fotográfico Paulo Liebert e eu viajamos com um equipamento de comunicação via satélite para manter o blog atualizado. Mesmo assim, é muito difícil conseguir o sinal, o que nos obriga a percorrer toda a aldeia com a antena em mãos para tentar obtê-lo. Chove muito na Amazônia, o que dificulta ainda mais ligar o equipamento em campo aberto.
O cacique-geral da etnia dos marubos, Ivinimpapa (nome branco Alfredo), mora na principal maloca do Maronal. Ele é o líder de todas as aldeias de marubos que vivem no Vale do Javari – segundo a Funasa, são ao todo 1.186.
Ele deu uma longa entrevista, no fim de semana, para os jornalistas que acompanham a missão. Está acompanhado por Beto Marubo, um índio que vive na cidade trabalhando para a Funai, para traduzir o que ele conta em sua língua – o pano. Com adornos pelo corpo, Ivinimpapa senta sobre um tronco à beira do rio. Sua maior preocupação é que todos levem para fora da aldeia exatamente o que quis dizer. “Ele disse que os marubos precisam da ajuda do governo”, traduz Beto.
19.05.08
Se estivéssemos em São Paulo, receberíamos as visitas com alguns drinques. Aqui, no meio da selva, onde o álcool não chega e beber não é um dos costumes, os convidados são recebidos com carne de caça.
Um grupo de marubos que saiu para caçar na selva dois dias antes de chegarmos é esperado com ansiedade. A carne trazida vai garantir o sustento de todos eles por mais uma semana. A mais esperada, segundo o índio Mëmanpa (nome branco Wilson), é a carne de anta. A mais fácil de encontrar mesmo é a de macaco ou de porco do mato.
18.05.08
Outro problema foram as redes. Não há posição confortável, o corpo dói, sua ao contato com o nylon camuflado. Mesmo cansado da viagem de quinta-feira, dormi muito pouco – se consegui apagar por mais de 3 horas foi muito. O repórter-fotográfico Paulo Liebert também teve problemas para dormir. Como todas as redes estavam muito próximas, um pequeno movimento de alguém no alojamento já era suficiente para acordar todos.
17.05.08
Recebemos cada um uma rede do Exército, especial para a selva e com mosquiteiro. Sem os anos de experiência dos militares, quase todos apanharam para instalá-las no alojamento. Todas as cordas precisam ser corretamente amarradas para que o mosquito não caia sobre o corpo. Um dos maiores incômodos da selva é o pium, que vorazmente enche de vergões e causa coceira por todo o corpo – especialmente no pescoço e nas orelhas. O repelente serve apenas para minimizar o sofrimento.
Como o gerador de energia é desligado às 21 horas e a maioria está cansada da viagem de mais de 40 minutos amontoada no helicóptero do Exército, quase todos se recolheram cedo – apesar do céu exuberantemente aberto.
16.05.08
Chegamos num helicóptero Cougar do Exército. Maronal é uma aldeia de cerca de 250 índios marubos, que usam roupas e chinelo, mas que, por estarem em uma região tão remota, ainda preservam a maior parte de sua cultura. Aqui não há Bolsa-Família, nem palanque, mas há um posto de saúde recém-erguido pela Funasa, ainda sem equipamentos. Eles caçam, pescam e plantam o que comem.
Há anos, a saúde é o grande problema para esses índios. Sobram relatos logo de início de mortes em decorrência de hepatite e de malária.
Durante cinco dias acompanharemos uma das equipes da Funasa passando por duas aldeias chamadas de pólos-base – são cinco em todo o Javari.
via Blog do Ricardo Brandt
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